Ruas sem saída são privatizadas por moradores

25 junho 2015

Por causa do medo e da violência, moradores de ruas sem saída têm colocado muros, portões e até guaritas, como se fossem condomínios residenciais. Só entra quem tem autorização. A prática é proibida pela Prefeitura.

Se não fosse pelo muro e portão, que separam a vila de casas do restante da rua Perdigão de Oliveira, no bairro João XXIII, a aposentada Lúcia de Fátima, 68, nunca sentaria na calçada. “Todo mundo se conhece (na vila). É bem mais tranquilo. Diferente de lá fora”, constata. Todos os dias, às 5 horas, a rotina do marido dela, o aposentado Valmir Felipe, 67, inclui abrir o cadeado e, à noite, por volta das 22 horas, a grade é sempre fechada. As trancas foram construídas há cerca de 30 anos pelos próprios moradores. Existem 23 residências, que ficam “guardadas” sob a proteção do portão. Mesmo o espaço sendo público e pertencente à Prefeitura.

“Não é mais como era antigamente, que a gente era despreocupada. Eu sou doida pra me mudar pra um apartamento, mas ele não quer”, conta dona Lúcia, sob o olhar reprovador do marido. “Deus me livre de me trancafiar num apartamento. Eu tenho certeza que apartamento é a pior coisa do mundo”, balbucia ele. O POVO localizou quatro ruas sem saída, nos bairros João XXIII, Cidade dos Funcionários, Damas e Guararapes, em que os moradores se organizaram e fizeram muros, portões e/ou guaritas. Alguns cobram, inclusive, uma mensalidade para manter vigilantes e faxineiros. Em todos eles, a segurança foi o principal motivador para fechar a rua. A prática não é autorizada pela Prefeitura.

“É inegável o problema de segurança nas grandes cidades. No entanto, a atitude de se fechar as ruas e se trancar em condomínios construídos em espaços públicos dá uma falsa sensação de segurança, além de ser ilegal”, aponta Odilo Almeida Filho, presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Ceará (CAU).

Segundo ele, quanto mais barreiras as pessoas fizerem, elevando o muro das casas ou construindo condomínios em espaços públicos, mais insegura fica a Cidade. “O bom planejamento urbano deve privilegiar a democratização do acesso aos espaços públicos e estimular a presença das pessoas nas ruas”, adverte Odilo Almeida. Quanto mais gente ocupar a rua, afirma ele, mais a segurança estará presente.

No Jardim América, são cerca de 30 casas que fazem parte da vila Estela, na rua Carlos Câmara. As residências são guardadas por um portão de ferro, fechado somente à noite. A vendedora de carro Césia Lima, 52, conta que a separação do restante da rua aconteceu após vários assaltos. “Isso acabou aproximando os vizinhos. Se faltar açúcar na hora que eu preparo o bolo, posso pedir à minha amiga aqui ao lado”, compartilha.

Sem as grades que fecham a rua, Alana, 8, Débora Nicole, 7, e Guilherme, de 1 ano e meio, não poderiam nem ficar na calçada. “Eu só deixo meus netos brincarem aqui nesta rua, que é todo mundo conhecido”, diz a avó, Valdelice Oliveira, 57. E ainda assim, a autorização da senhora acontece por causa do portão da rua Carlos Câmara. “Se não fosse isso, nem a gente saía pra ficar na calçada”, confirma a dona de casa. A rua de Valdelice não tem saída. Fernanda Keyla, 33, filha dela, diz que fechar a rua ajudou a aproximar os vizinhos.

Na rua Sertão dos Inhamuns, na Cidade dos Funcionários, a reportagem sequer foi recebida pelos moradores.

 

Privatização

Em um dos casos, na avenida Rogaciano Leite, bairro Guararapes, os moradores foram processados pelo dono de uma concessionária de veículos. A loja de Elísio Martins, 46, fica na esquina entre a avenida e a rua Edmundo Rodrigues e, como ele não concordou com o bloqueio da rua, ele teve de fechar a garagem, que tinha entrada para a via. “Privatizaram mesmo a rua. Entrei com uma ação demolitória, até porque, do outro lado, é o Parque do Cocó”, alerta.

O POVO tentou entrevistar os moradores da rua Edmundo Rodrigues e deixou o telefone de contato com o porteiro, mas não obteve retorno.

 

Fiscalização

A Prefeitura, por meio das Secretarias Regionais, realiza a fiscalização da ocupação irregular do espaço público, com base no Código de Obras e Posturas de Fortaleza (Lei 5530/1981).

No caso de obstrução do acesso às ruas, a fiscalização ocorre por meio de denúncias e, caso seja constatado o descumprimento das normas previstas na lei 5.530, o responsável é notificado a se regularizar.

A Autarquia Municipal de Trânsito e Cidadania (AMC) também dispõe de um setor específico que fiscaliza as infrações cometidas, mediante a obstrução de vias, previstas no artigo 246 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Reclamações do gênero ou denúncias podem ser encaminhadas para a sede do órgão (avenida Aguanambi, 90, bairro José Bonifácio).

 

Segurança

A área dos bairros Jardim América e do João XXIII é coberta, segundo o tenente coronel da Polícia Militar Andrade Mendonça, por uma viatura do Policiamento Ostensivo Geral (POG), além de uma viatura do Ronda do Quarteirão, por 24 horas. Conta ainda com uma viatura da Força Tática de Apoio (FAT) e do Batalhão de Policiamento do Raio (BP Raio). Diariamente, cerca de 40 policiais militares cobrem as duas áreas.

Já na Cidade dos Funcionários, existe a cobertura de duas viaturas do Policiamento Ostensivo Geral (POG), uma viatura do Ronda do Quarteirão, além de três motocicletas do Policiamento Motorizado. São 25 PMs nos três turnos.

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